Sol 01: Há de brilhar mais uma vez... (Francis Ivanovich)

19/06/2020

Textão de Francis Ivanovich*

Vivemos dias sem luz. O mundo parece estar coberto por uma pesada sombra. Sobre essa sombra e nossas cabeças atordoadas brilha um sol que nos faz falta em amanheceres sem medo.  Não podemos perder a esperança de que recuperaremos nossas vidas, poderemos realizar tarefas simples, como pisar à rua outra vez e encarar o sol de cara lavada. Que possamos outra vez apertar a mão de um amigo ou um desconhecido sem receio. Neste momento, em alguns laboratórios estão centenas de cientistas trabalhando duro para nos libertar. Enquanto aqui fora os políticos estragam tudo com suas vaidades, ambições e mentiras. A sombra que cobre o mundo é um colcha de retalhos feita de cada um desses seres que se apresentam como donos da verdade, salvadores da pátria, soldados da liberdade.

Sob essa sombra há gente de bem, cansada, mas ainda com forças para resistir a tudo isso que está aí, que nos empurram goela abaixo pelas redes sociais, pelos meios de comunicação, pelo ar quase irrespirável. Uma gente que não tem sensibilidade alguma, que só pensa no próprio umbigo, de um narcisismo incurável. São seres gestados numa doentia construção subjetiva desde a tenra infância. A má pessoa não nasce na barriga, ela é gerada no dia a dia de convívio com adultos estragados, adoradores da violência, mestres da ignorância, profetas do preconceito, radicais da crença em ideias mofadas e fossilizadas no primitivismo das cavernas.

Um novo homem urge neste mundo. Um homem cuja Lei máxima seja o respeito à vida. É por demais exaustivo ver gente que posa de sábio dizendo nada, com seu verniz acadêmico, sua ética falsificada, sua sabedoria embrulhada em papel de presente, quando na prática, no dia real, não passam de mentirosos, crápulas, cínicos. O dinheiro, o poder, a vaidade é o corpo e alma dessa gente. Essa gente está espalhada nos gabinetes mundo, ocupando lugares que jamais poderia ocupar ou chegar perto. Essa gente só quer escravizar, explorar, chupar o sangue, arrancar a alma, usar o outro como passadeira da sua inútil glória.

Não tenho mais esperanças na minha geração, lamento. Só tenho esperanças nos que são pequeninos, nos que estão para nascer. Eles são a sorte do mundo. Essa pandemia dever produzir algum efeito positivo nas gerações vindouras. A minha geração cheira a coisa velha, estragada, largada no sótão da mediocridade. Fico pasmo como as pessoas ainda têm paciência para dar ouvidos a esses supostos sábios de plantão. Os filósofos do Youtube. Eles opinam sobre tudo, do sabonete ao sabão em pó. Vivemos tempos realmente de falsos profetas.

Não surpreende o que está aí. A barbárie travestida de coisa normal. A morte, a violência, o preconceito, a exploração, a fome, a escravidão, a política, as universidades, a própria ciência, as artes, tudo contaminado por esse caleidoscópio de mentiras. A farsa é geral. O conformismo absoluto. Todos acomodados sob a sombra da insensatez. Não importa que morram 10, 20, 100, milhões. Nada importa. As instituições, os sábios, os tribunais, as religiões darão conta??? Não dão conta nem de si mesmas. Falidas. Todas falidas. O vírus desmascarou de vez essa grande fábrica de ilusões que se transformou o mundo "conectado" e "civilizado".

Qual a saída? Um mundo realmente humano. Um mundo só. O fim de ideias desbotadas como soberania, nação, fronteira, raça. O fim da propriedade privada do mundo. O mundo pertence a todos nós. Como pode um mundo inteiro pertencer à poucas pessoas que controlam alimentos, água, energia, medicamentos, a própria vida? Como isto é aceitável? Utopia, dirão os que preferem a distopia, ou mergulhar numa "utopia negativa". Lamentável.

Sobre nossas cabeças a sombra persiste, mas sobre ela um sol brilha e aos poucos ele a elimina com sua luz purificadora. Tenho esperanças que as gerações futuras vivam num mundo onde o sol seja a bandeira da justiça e da liberdade. Essas gerações são o meu Sol da esperança.

Francis Ivanovich é escritor, dramaturgo e cineasta.


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